Inflação no Brasil é a terceira maior da América Latina, atrás somente de Argentina e Haiti


A disparada de preços colocou o Brasil em terceiro lugar no ranking de inflação da América Latina, atrás somente da Argentina e do Haiti, países que enfrentam, respectivamente, uma dura e persistente crise econômica e uma ebulição política e social, marcada por desastres naturais.

No acumulado em 12 meses até julho, a inflação do Brasil chegou a 9%, enquanto a da Argentina somou 51,8% e a do Haiti, 17,9%. Os dados integram um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas.

O estudo não leva em conta o desempenho da Venezuela. O país vive um colapso econômico e apresenta indicadores distorcidos, que inviabilizam a comparação com outras economias.

“Nós tivemos uma desvalorização cambial maior (do que os outros países) por causa do ambiente de incerteza num momento de juro baixo”, diz André Braz, pesquisador do Ibre/FGV.

“Com a incerteza crescendo e os juros em 2% – lá no início do ano -, ninguém queria ficar aqui. O investidor foi para mercados mais seguros e isso ajudou a desvalorizar a nossa moeda”, acrescenta.

Os dados do levantamento deixam evidente que o quadro inflacionário brasileiro piorou mais do que em outros países. No fim do ano passado, o Brasil ocupava a sexta posição entre as economias da região com mais inflação.

Depois de superada a fase mais crítica da pandemia, a inflação se tornou um problema em todo o mundo. A alta dos preços das commodities se somou ao desarranjo nas cadeias de produção – a crise sanitária paralisou ou reduziu a produção em muitos setores industriais. E essa interrupção provocou uma escassez de produtos, pressionando os custos de produção.

“Havia uma expectativa – não só no Brasil, mas no mundo inteiro – de que essas cadeias voltariam neste ano, mas isso não está ocorrendo”, afirma Solange Srour, economista-chefe do banco Credit Suisse. “Tem o impacto da nova variante (Delta), mas há uma dificuldade também de retomar a produção rapidamente em diversos países ao mesmo tempo.”

O ponto central é que o ritmo da inflação no Brasil tem surpreendido e preocupado os analistas. Hoje, a análise deles é a de que a alta de preços se espalhou por boa parte da economia.

No relatório Focus, os analistas consultados pelo Banco Central têm piorado semanalmente as previsões para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Eles projetam que a inflação vai encerrar este ano em 7,58%, bem acima do centro da meta estipulada pelo governo, de 3,75%.

Por que no Brasil é pior?

Desde o ano passado, a inflação brasileira passou a ser pressionada pela alta dos preços dos alimentos, resultado da valorização das commodities.

O aumento de itens básicos – como soja e milho – no mercado internacional e a perda de valor do real provocaram um aumento da exportação, o que levou a um desabastecimento do mercado local e, consequentemente, ao aumento dos preços.

“Em 2020, vivemos uma tempestade perfeita. Houve quebra de safra e houve ainda um aumento das exportações por causa da desvalorização do real, o que tornou o nosso país competitivo internacionalmente”, afirma Braz, da FGV. “O lado ruim é que a exportação desabastece o mercado interno, e os preços sobem.”

No cenário dos analistas, a expectativa era de que o real iria se valorizar ao longo de 2021 e, portanto, a inflação poderia ceder – no primeiro relatório Focus deste ano, os economistas trabalhavam com uma previsão de 3,35% para o IPCA.

Mas as incertezas fiscais e, recentemente, a crise institucional provocada pelo presidente Jair Bolsonaro impediram uma queda do valor do dólar. A combinação desses cenários provoca uma fuga de capitais do Brasil, afetando o real.

“Desde o final do ano passado, a incerteza está relacionada em como nós vamos sair da pandemia, se vamos manter as regras fiscais. Isso impacta muito o câmbio”, afirma Solange.

Na área, fiscal, por exemplo, o governo ainda não indicou como vai fazer caber no teto de gastos a despesa bilionária com precatórios e o novo programa social, o Auxílio Brasil, uma versão ampliada do Bolsa Família.

O quadro inflacionário se agravou ainda mais porque o Brasil passou a enfrentar um aumento do preço dos combustíveis e uma severa crise hídrica, que vem sendo enfrentada de forma tardia e tímida pelo governo federal, segundo especialistas.

Já são vários aumentos seguidos na conta de luz dos brasileiros. Na semana passada, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) criou a bandeira tarifária de escassez hídrica e reajustou ainda mais o valor da energia.

Em setembro, a nova alta nas contas de luz deve ser de quase 7%.

“A inflação está muito disseminada. Não é só mais uma inflação de alimentos. É uma inflação de preços administrados, tem gasolina, energia elétrica. É uma inflação também de preços industrializados, vestuários, bens duráveis. E agora de serviços”, afirma Solange.

O Credit Suisse projeta que o IPCA deve encerrar este ano em 7,7%.

E o que esperar para o futuro?

Com a alta de preços disseminada por praticamente toda a economia, o Brasil também começa a enfrentar uma retomada da inércia inflacionária.

A alta dos preços em 2021 deve balizar reajustes de contratos – como de escolas e planos de saúde, por exemplo – para o próximo ano. Tudo isso, portanto, deve impactar os preços em 2022.

“Em setembro, a inflação vai bater em 9,6% em 12 meses. Esse número é um dos fatores que vai balizar os reajustes salariais no segundo semestre e vários preços da economia, como contratos de aluguel e escolas”, diz Solange.

Para 2022, o banco espera uma alta de 5% no IPCA, também acima do centro da meta do governo, que é de 3,5%.

Mas as previsões para o próximo ano podem piorar ainda mais. Isso porque os economistas ainda não conseguem calcular todo o efeito do novo aumento da conta de luz. Segundo a Aneel, a nova bandeira tarifária deve vigorar até abril do ano que vem.

“A parte indireta (do aumento do custo de energia) a gente não consegue antecipar. O que a alta da energia vai provocar de aumento nos outros produtos e serviços que a gente consome? É uma parte que a gente tem de pagar para ver”, afirma Braz.

Dessa forma, mesmo com uma forte alta da taxa básica de juros, o BC deve ter dificuldade para conter o avanço dos preços. Isso porque, com o aumento do preço de bens materiais, combustíveis e energia elétrica, o país enfrenta uma pressão inflacionária via custo, não por demanda.

Na prática, quando o BC sobe os juros, ele quer esfriar a economia, retardando o consumo das famílias, com o objetivo de conter a escalada dos preços. Agora, a história parece outra.

“Essa pressão inflacionária vai ser mais difícil de ser contida. Quando o BC sobe os juros, ele passa a seguinte mensagem para as famílias: junte dinheiro agora porque a remuneração pelo investimento vai aumentar com a alta dos juros. Então, se você adiar o consumo, o seu prêmio vai ser uma rentabilidade maior”, afirma Braz.

“Com isso, a expectativa é tirar o dinheiro de circulação, enxugar a base monetária, para poder ter uma inflação mais baixa”, acrescenta.

Hoje, a taxa básica de juros está em 5,25%. No relatório Focus, os economistas avaliam que ela deve subir a 7,75% até o fim do próximo ano.

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